segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O surto

Acordou as sete para trabalhar.
Comeu uma banana, tomou um gole de cafe e  fumou um cigarro enquanto molhava as plantas.

Tudo certo, normal.
Linear.

No caminho que cruza a cidade o de sempre: transito, acidente, barulho.

Dormência.

O dia correu como de costume.
Trabalhou.
Comeu pouco mas comeu. Um bolo na garganta não a deixava comer voraz e compulsoriamente como de mal habito, mas ela comeu.

O peito apertado, boca seca.

Fim do dia, sete da noite mas ainda claro.

A confusão começou quando se viu perdida no meio da cidade, subindo e descendo passarelas sem saber  pra qual direção os ônibus seguiam para sua casa. Não era sempre que pegava condução naquele lugar mas algo já estava errado quando os nomes nos letreiros dos ônibus não se conectavam com seus sentidos.

Falta de ar pelo deficit cognitivo? Pelo medo?

Medo do deficit?
Medo do físico?

Medo, medo.

Como há um tempo não acontecia o descompasso respiratório não passava.
Por mais que contasse, prendesse e soltasse não se equilibrava.

Ria, nervosa: des-equilíbrio, de novo.

- Acho que vou ficar louca.....pensou.

Desceu no ônibus. O cheiro de amônia da esquina de sua casa foi quase que reconfortante.
Andava rápido, respirando fundo, mas o ar que entrava se perdia, não saía dela...

Vertigem.

Abriu a porta. Olhou em volta, tudo estava normal.
Era como se o caos, o barulho, o fedor, o sangue, tudo estivesse dentro dela e não fora.

Tudo estava dentro.

 Lembrou de um livro do Paulo Coelho que leu na adolescencia, do seu relato quando estava pra morrer, num dia em que uma divida espiritual estava sendo cobrada: no texto dizia que contava tudo o que tinha na casa; talheres, discos, tudo. Dizia que se mantivesse a mente ocupada o diabo não entraria nela.
Fez sentido quando leu na época,

Numa tentativa desesperada de manter a sanidade a bagunça da casa serviria então de fio condutor pra tentar parar a vertigem interna.
Contava os pequenos lixos domésticos enquanto os ensacava a fim de organizar-se mentalmente mas tudo que fazia a levava a negar a vida.
Estado de negação.

- Não, não quero.
- Para.
- Não, não é possível.

As negativas mentais eram intercaladas por "cala a boca" gritados em voz alta, direcionados a si mesma.

Ela não se deixava pensar.

Ligou pra mãe com a desculpa de dar um oi, já ia dormir.
Não sabia que eram apenas oito e meia. Disfarçou diante da preocupação materna com um monótono

- Sim, ta tudo bem....claro que esta.

Não estava mas queria ter certeza de dizer pra mãe que a amava, já que poderia morrer a qualquer momento naquela noite.

- Beijo mãe, se cuida... te amo.

O choro veio quase como um vomito, concomitante ao botão que finalizava a ligação.
Babava e tossia, como se tivesse uma bola de pelo na garganta.

E aquilo não passava, com nada.
Nem fumo, nem agua, nada tirava a sensação de sufocamento, de engasgo, angustia, ansiedade...insanidade.

A republica vazia libertava de suas sombras fantasmas de outras épocas, os espíritos se faziam visíveis e a assombravam.

Ela ouvia e dizia

 - Calem a boca!

As vozes externas não se diferiam mais das internas e a dor física aumentava a falta de ar.

Queria pular.
Voar.
Desintegrar-se.

A falta de sentido finamente a teria levado a loucura.

Nem arte nem droga, nada a salvaria hoje. Era realmente (e finalmente) o fim.

O homem morto que vira pela manha abria os olhos pra ela na fotografia que tinha em sua mente.
A olhava vidrado e ria....ria alto.

Ela via como se tivesse novamente  no ônibus: a cabeça pendurada no braço do bombeiro que não via que aquele pedaço meio preso ao corpo, meio esmagado e com sangue, estava vivo.
Estava falando.
Estava rindo, gargalhando, tirando sarro da maluca que olha e não vê...

- Quer gritar e não consegue, huahuahuahauhauhauhauah.

Era a cabeça, que ria e dizia.

- Ta sufocando ta? - Dizia a cabeça, de dentro da cabeça dela.

Ela queria acordar mas não estava dormindo.

Dizia a cabeça, de dentro da cabeça dela.

Caída, do chão do quarto via a quina do teto do corredor que levava ao banheiro.

Sem voz, sem choro sorriu triste...

Enlouquecera, enfim.


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